Já pensaram nesta expressão, tão curiosa? "Pôr a mesa"? Pois, para quem não saiba, as mesas, até finais da Idade Média, eram objectos móveis. Tinham as mais diversas funções e existiam em pequeno número, numa casa. Sempre que eram necessárias, eram transportadas de uma dependência para a outra e aí eram colocadas. Cobriam-se normalmente com grossas tapeçarias (porque as madeiras em que eram realizadas não eram normalmente de grande qualidade) ou tecidos exóticos como as sedas e os veludos. É daí que vem a expressão "pôr a mesa". A dita mesa "punha-se" onde fizesse falta!
Ora, é exactamente isso que eu acabei de fazer: pôr a mesa! Mas antes disso, tive que a construir e, como já estamos muito longe da Idade Média, procurei construí-la numa madeira com alguma dignidade e trabalhei-a com o maior cuidado.
Hesitei antes de me decidir por um modelo que se adequasse ao ambiente. Nesta época predominava já o estilo Queen Anne, do qual eu tive um exemplar, na casa onde vivi em criança.
Mas as minhas memórias de infância rejeitaram essa possibilidade. Sempre que me lembro dessa mesa, lembro-me também de como ela era (ou me parecia) enorme e da facilidade com que eu passava, brincando, por debaixo dela. Mas... à medida que o tempo foi passando e eu fui crescendo, a mesa tornou-se cada vez mais baixa e os "galos" na minha cabeça eram cada vez mais numerosos... decididamente, é uma memória "dolorosa"!!! Queen Anne, não!
Optei, portanto, por uma mesa quase sem estilo! Uma mesa que, à força de ser copiada, (ainda hoje se fabrica) já dificilmente se associa à sua verdadeira e bem britânica origem. Mais rudimentar, é vista em copas ou cozinhas, mais pequena, serve como mesa auxiliar, maior, como mesa de jantar. Hoje, na minha própria casa, tenho uma a servir... imaginem, como mesinha de cabeceira, ao lado de uma cama D.José, que não se sente nada ofendida com a vizinhança!
A "velha" mesa redonda, de abas e com oito pés, dois deles rotativos, para apoio das duas abas, quando abertas.
As pernas foram talhadas à mão, sem auxílio de ferramentas eléctricas.
As dobradiças têm 4mm, com quatro pregos cada uma!
Contar-vos a experiência de pregar pregos de 3mm, é uma odisseia mais difícil do que foi fazê-lo! Só vos posso dizer que, se não fosse a "ajuda preciosa" da minha gata, que encontra sempre tudo o que me cai ao chão, ainda hoje estava de cócoras, no meio da sala, à procura dos pregos!!! Só mais tarde descobri que há uma ferramenta própria para esse fim, mas já era tarde! Os pregos já estavam no sítio!
Comecei, portanto, pelo desenho das peças, como faço sempre, calculando medidas e transportando-as para a escala 1:12
Escolhidas as madeiras, fui talhando os pés, um por um...
Limar, lixar, tingir e começar a colar, montar a estrutura de suporte e verificar se o sistema de rodar funcionava bem, foram as tarefas que se seguiram.
Depois, foi encerar, aplicar o tampo (com as fantásticas dobradiças e seus preguinhos) e estava pronta!
e a funcionar!!!
Tempo gasto na execução desta peça: 6 dias inteirinhos!
Claro que aproveitei umas curtas férias dos Cassels, para realizar este trabalho. Enquanto eles foram "a banhos" para a Foz ( mais propriamente para a Praia do Molhe), onde o banheiro faz uma caldeirada de peixe que é uma delícia, instalei-me lá em casa e, além da mesa, aproveitei também para fozer umas pequenas obras. É que o lambrim da sala, além de muito estragado, estava a precisar de mudar de cor, para se adaptar ao ambiente ... estava muito escuro e agora, já não se usa! Se eles demorarem mais uns dias, talvez aproveite também, já que aqui estou, para colocar uma carpete a todo o tamanho do soalho - Aquilo que daqui a vinte anos se vai chamar "alcatifa" - estamos nos anos cinquenta, não se esqueçam!!!... e a Josefa (*), já não tem saúde para tantos encerados!
(*)A Josefa é a "criada de dentro" - chamavam-se assim, as empregadas domésticas, que dormiam na casa dos patrões. Um dia destes, conto-vos a história da Josefa. É uma história triste, como a maioria das histórias das raparigas de província que vinham "servir" para as casas ricas da cidade. Mas hoje, não! Hoje não é dia para tristezas, porque acabei mais uma peça para o meu ambiente.
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